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MENINOS FORTES E MENINAS MAGRAS: uma crítica

  • Foto do escritor: Cecilia do Nascimento
    Cecilia do Nascimento
  • 12 de mai. de 2023
  • 4 min de leitura

Imagem contendo o desenho do rosto de seis crianças em preto e branco. Três delas estão sorrindo e as outras três estão sérias.

Sou professora já há 5 anos, o que em comparação com a trajetória de outros professores ainda é pouco, e ainda assim me surpreendo com o quanto podemos aprender com as crianças, com a convivência com elas. Aprender sobre como são inteligentes, observadoras e boas leitoras do mundo, de formas que nem podemos imaginar.


Quanto mais convivo com elas, mais me preocupo em trabalhar na visão que têm de mim como professora deles, para transmitir apenas coisas boas, influenciá-los em coisas positivas o máximo que puder, sabendo que a vida é mesmo traumatizante e não podemos protegê-los de tudo, mas na minha sala de aula, tudo que eu puder fazer para traumatizar menos, conta.


Infelizmente, não são todos que veem as crianças e pensam dessa forma.


Neste trimestre, trabalhei com a minha turma o assunto de hábitos de saúde e com ele, tivemos uma roda de conversa sobre alimentos saudáveis. Minha turma é falante e participativa nas rodas de conversas e não me decepcionei quando eles pontuaram corretamente todas as razões pelas quais devemos nos preocupar com nossa alimentação, não exagerando nos doces e comidas gordurosas, comendo sempre frutas e vegetais e outras coisas que deixam nosso prato colorido.


Mas o que me deixou inquieta nessa conversa foram as respostas que vieram após o questionamento “por que devemos procurar consumir alimentos saudáveis?”.


Enquanto as respostas dos meninos eram “para ficar forte, para crescer bastante”, as respostas das meninas por outro lado variaram entre “para emagrecer, para não ficar gorda”, e outras relacionadas. Imagine meu choque ao perceber aquele tipo de resposta numa turma de primeiro ano, com crianças de seis anos.


Talvez você pense que seja exagero da minha parte ficar tão incomodada com aquilo a ponto de estar escrevendo esse texto, mas me deixa indignada – e deveria deixar a nós todos indignados – o fato de que ainda hoje continuamos a fazer das crianças pequenos projetos de meninos fortes e meninas magras.


Sou parte de uma geração que cresceu antes dessas pautas tomarem mais voz, não existia “body positive” quando eu era uma criança gorda, não existia nomenclatura para todos aqueles apelidos maldosos e a perseguição. Porém, o tempo foi passando e hoje a realidade já é diferente, já se fala mais contra a gordofobia, já temos condições de incentivar nossas garotas a amarem seus corpos, serem fortes, buscarem seus sonhos. Então, sim, me deixa irritada que esse seja o discurso que algumas meninas ainda tenham que escutar.


Não é novidade para ninguém que a sociedade sempre criou meninos e meninas de formas diferentes. Não discordo totalmente disso, somos, de fato, diferentes, mas algumas distinções não cabem mais. A mulher hoje já pode ser vista como a provedora da casa, mulheres têm tomado lugar nos esportes e outras profissões antes predominadas por homens. Por que então continuamos a dizer aos garotos que eles podem ser fortes, mas limitamos as garotas ao discurso de padrões de beleza? Por que não dizer às suas garotas “cresçam e sejam fortes”?


Tudo aquilo que as crianças escutam enquanto pequenas, influencia diretamente em toda sua vida, principalmente discursos vindos das pessoas mais importantes da sua vida: seus pais, sua família. Com certeza, minhas alunas não tiraram aquelas falas da própria imaginação, com certeza estavam reproduzindo aquilo que ouvem – direta ou indiretamente – quando estão com suas famílias, na proteção de suas casas.


Já temos condições e embasamento para criar garotas que não vão odiar seus corpos enquanto crescem, sabemos por experiência própria o quanto isso afeta nosso crescimento pessoal e emocional. Precisamos cortar de uma vez por todas esse grande efeito dominó que tem nos feito cair como patinhos nos discursos de baixa autoestima e falta de amor próprio que nos afetaram anos atrás, quando éramos nós as crianças afetadas pela fala dos adultos.


Deveríamos estar dizendo às meninas para se preocupar em estudar, cuidar da saúde, serem gentis com os outros – e consigo mesmas, e não com padrões de beleza.


Nossas garotas merecem mais.


É claro que, ao ouvir a fala das minhas alunas, também abri para que pudéssemos conversar que precisamos comer saudavelmente para evitar doenças, cuidar do nosso corpo, e que “não ficar gorda” ou “emagrecer” não são prioridade no assunto, pois existe uma diversidade enorme de corpos gordos ou não, que também devem ser cuidados e respeitados. Mas me senti como um peixinho nadando contra a maré. Uma maré forte, que vem ultrapassado gerações.


Mas acredito que não sou a única. Acredito na próxima geração de garotas e garotos que irão amar seus corpos, preocupar-se com sua saúde antes da estética, ser fortes e inteligentes e passar toda essa força para as gerações porvir.


Enquanto isso, sigo tratando com cuidado todo assunto que tenho em sala de aula com as crianças, não por exagero, mas por entender que essa é a fase em que personalidades são moldadas – e a maioria dos traumas, infelizmente, adquiridos – e, como disse inicialmente, no que eu puder ajudar a minimizar os traços maldade que um dia já me laçaram, certamente irei minimizar. E incentivo todos a fazerem o mesmo.


Acredito que, em breve, teremos meninos e meninas fortes, e muito mais saudáveis.

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